A restrição da liberdade de locomoção, por estar em estabelecimento prisional, atinge pouco mais de 60 mil pessoas em Minas Gerais. São 210 unidades no estado e, em 118 delas, existe algum tipo de artesanato produzido pelos detentos.
O Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap), apoia as iniciativas e espera construir novas parcerias para profissionalizar os interessados no artesanato, bem como a gestão por meio de cooperativas nos presídios.
Os detentos que têm habilidade para o artesanato ou a desenvolvem encontram uma forma de ocupar o tempo, ajudar suas famílias com a renda das peças produzidas e ainda reivindicar a remição da pena, benefício que pode ser concedido pela Justiça.
A remição da pena é um instituto pelo qual se dá como cumprida parte da pena por meio de trabalho ou de estudo. De acordo com a Seap, são 6.924 detentos de ambos os sexos produzindo 918 itens do artesanato, utilizando tipos diversos de matéria-prima.
Comercialização
A produção e a venda do artesanato são realizadas de duas formas. A principal é feita por familiares dos presos que levam os insumos às unidades. Quando o produto é finalizado, a família faz a comercialização em ambiente externo.
A outra forma se dá por meio do Conselho da Comunidade, entidade gerenciada pelo Judiciário em cada comarca. O conselho fornece os insumos e se responsabiliza pela venda da produção. Nesse caso, parte do valor arrecadado se destina ao detento ou à sua família e a outra parte para a compra de matéria-prima e investimentos na unidade prisional.
Segundo a subsecretária de Humanização do Atendimento da Seap, Emília Castilho, Minas Gerais é o primeiro estado do Sudeste inserido em atividades de trabalho em todas as áreas no sistema penitenciário.
Para conseguir a remição da pena, a atividade do artesanato na prisão precisa ter expressão econômica, segundo a Lei de Execuções Penais (LEP). “O artesanato é muito forte na cultura mineira. Por isso nos presídios onde é possível essa prática, com espaço adequado, a gente acompanha, contabiliza as horas trabalhadas pelo preso e geralmente os juízes decidem favoravelmente”, afirma Emília Castilho.
A subsecretária reconhece que a maioria do artesanato produzido no sistema penitenciário depende da participação das famílias, que levam o material para os detentos e depois retornam para buscar o produto pronto.
“Achamos fundamental que haja real possibilidade de ocupação do preso. Vamos buscar uma parceria mais efetiva com a Secretaria de Estado de Educação para capacitação e, junto à Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese) e buscaremos o cooperativismo como alternativa para viabilizar a gestão do artesanato nos presídios”, observa Emília.
Vitrines
A penitenciária de Três Corações (Território Sul) é um dos maiores casos de sucesso na produção de artesanato. Durante seis anos, a professora e artesã Wanda Oliveira capacitou dezenas de artesãs no presídio.
A qualidade dos produtos foi tão bem vista que possibilitou a abertura temporária de uma loja em parceria com a Associação pela Solidariedade ao Recuperando (Assolar), entidade mantida pela Vara de Execuções Penais da Justiça local.
Atualmente a loja está desativada, mas o projeto será retomado em 2018, podendo ser replicado para outras localidades do estado. Também são expressivos trabalhos realizados nos presídios de Ipaba, Muriaé, Araçuaí, Governador Valadares, Alfenas, Contagem, Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Abaeté, entre outros.
Em maio houve exposição na galeria de arte da Assembleia Legislativa, com a participação de detentos da Penitenciária Nelson Hungria (Contagem), Presídio Inspetor José Martinho Drumond (Ribeirão das Neves) e Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac de Santa Luzia).
Outro espaço para exposição e venda é a feira periódica que ocorre na Cidade Administrativa, que recebe peças de detentos de dez unidades do sistema prisional.
De acordo com o superintendente de Trabalho e Ensino da Seap, Guilherme Araújo Alves Lima, os presos precisam de mais possibilidades dentro do artesanato, como a qualificação para aqueles que têm vocação.
“O Governo do Estado está aberto a parcerias com empresas e ONGs para fomentar o artesanato nos presídios mineiros. Existe um desconhecimento das facilidades para se construir essas parcerias, pois falta informação à sociedade, muito antes de manifestação de preconceito”, revela Lima.
O superintendente considera fundamental a disposição do Governo do Estado de expandir as possibilidades de profissionalização nos presídios onde existe espaço para as atividades.
Conforme dados levantados pelas diretorias de Ensino e Profissionalização e de Trabalho e Produção, os números de Indivíduos Privados de Liberdade (IPL) trabalhando chega a 18.908 e, estudando, 9.449 - dados de agosto de 2017. Estes correspondem a quase 50% da população carcerária envolvida com atividades que facilitam a reinserção no mercado de trabalho após o cumprimento da pena.
Os novos artesãos
A Penitenciária Francisco Floriano de Paula, em Governador Valadares (Território Vale do Rio Doce), sai bem na “fita” quando o assunto são as parcerias de atividades laborais. O complexo abriga 1.286 homens (números de setembro de 2017), sendo 922 deles em regime fechado, e 364 no semiaberto.
Segundo dados do gerente de Produção da unidade, Djalma Andrade Júnior, aproximadamente 820 detentos fazem alguma atividade, 90 trabalham fora o dia todo e voltam à prisão apenas para dormir. Os outros cuidam da limpeza, jardinagem, horticultura, suinocultura e reciclagem do lixo.
Há 26 detentos na oficina de corte e costura onde são produzidos todos os uniformes, enquanto outros são responsáveis pelos cortes de cabelo.
O artesanato entrou na vida de Vilmar Nunes Gomes, de 40 anos, dentro da Penitenciária Francisco Floriano de Paula. Ele aprendeu a fazer jogos de banheiro, tapetes diversos e bolsas, utilizando linhas e barbantes.
Os jogos de banheiro compõem-se de quatro peças: tampa do vaso, papeleira (porta-papel higiênico) tapete pé do vaso e tapete da pia. Quando as peças ficam prontas, sua mãe sai pelas ruas da cidade para vender. “Esse trabalho distrai a minha mente, me ajuda financeiramente e ainda consigo a remição da pena”, comemora Gomes.
Para Douglas Geraldo Fernandes, de 33 anos, que chegou à penitenciária há dois anos para cumprir uma pena de oito anos, o artesanato foi uma descoberta para tornar os seus dias ocupados e menos difíceis. Com facilidade, ele aprendeu o ofício e há algum tempo já produz jogos de banheiro, forros de cama e bonecas de pano.
Tudo o que é feito por Fernandes é também vendido em Governador Valadares pela sua esposa. “No ano que vem ganho progressão de regime e o artesanato não sairá mais do meu caminho, pois agora é minha profissão”, assegura o detento.