Os lábios estão fechados e o microfone, distante da boca – algo pouco comum para uma cantora que gostava tanto da sua arte e que entrou para a história como “mineira guerreira”. Mas os olhos estão fixos no sabiá, de asas abertas, na mão direita, como se estivesse pronto para partir e voar no infinito. Com essa ideia na cabeça e a sensibilidade na ponta dos dedos, a escultora, designer e arquiteta Eliz Machado Dias, sul-mato-grossense residente em Belo Horizonte há 26 anos, “recriou” Clara Nunes (1942-1983), que, se viva, completaria 75 anos em 2017. Como presente para a terra natal da artista – Caetanópolis, na Região Central –, Eliz participará hoje, às 15h, da inauguração do monumento no jardim do Memorial Clara Nunes, no Centro da cidade, localizada a 137 quilômetros da capital.
Para fazer a escultura em tamanho natural (1,64 metro), em bronze reconstituído ou resina com pó de bronze e pesando 70kg, Eliz se espelhou em fotos da cantora ao longo da carreira, algumas de perfil. E, para conceber a obra, buscou inspiração na música em reverência à memória da estrela, Um ser de luz, composta por Paulo César Pinheiro, que era marido de Clara, e João Nogueira. O início diz assim: “Um dia/Um ser de luz nasceu/Numa cidade do interior/E o menino Deus lhe abençoou/De manto branco ao se batizar/Se transformou num sabiá (…) Canta meu sabiá/Voa meu sabiá/Adeus, meu sabiá/Até um dia!”
Na tarde de quarta-feira, num ateliê de arte e fundição no Bairro Chácaras Reunidas Santa Terezinha, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Eliz e equipe davam os últimos retoques na peça de cabelos fartos presos com tiara de flores, vestido de algodão entremeado de rendas e bem rodado e três voltas no colar de contas. “Gostei do resultado do trabalho, feito em tempo recorde. Na verdade, precisaria de dois meses, mas fiz em 25 dias”, contou Eliz. Antes de tudo, é impossível não comentar: uma artista com nome de cantora (Elis Regina – 1945-1982), fazendo uma homenagem a um expoente da música popular brasileira? Com um sorriso, Eliz explica que seu nome é com “z” e fruto da união do nome do pai, Hélio, que preferiu tirar o “h” para batizar a filha, e da mãe, Lizete. “Sempre gostei de Clara Nunes. Aos 12 anos, adorava imitá-la. E, com o tempo, sempre tinha uma fita, depois CDs dela no carro”, revela a escultora, que, na manhã de quinta-feira seguiu para Caetanópolis a fim de dar os últimos retoques na obra e instalar o monumento no jardim do memorial.
Olhando a peça para homenagear Clara, em uma região de Contagem cercada de ipês-amarelos e de onde se avista ao longe, num recorte de matas, a Serra da Piedade, Eliz explicou que uma escultura nunca é fielmente o retrato do homenageado, a não ser que fosse moldada na pessoa. Mas o trabalho fez jus às artistas. Os integrantes da equipe também gostam do que veem e o dono do ateliê, Dirceu de Oliveira Rodrigues, há mais de 30 anos nesse ofício, está certo de que a obra “clareou tudo”, num trocadilho com o nome da “guerreira”.
PROJETO MAIOR
A escultura de Clara Nunes faz parte do projeto Clara Ilumina Minas, que une artes plásticas e música para lembrar os 75 anos da cantora, completados no mês passado. “O objetivo é manter acesa para sempre a luz de Clara e preservar sua memória. Uma mulher que conquistou o Brasil e vários países com sua energia, voz, canto singular e diversidade musical e cultural”, ressalta Eliz. Em exposições realizadas em agosto, a escultora apresentou o protótipo e depois partiu para a obra, que incluiu inicialmente uma estrutura de ferro, colocação de tela, enchimento com argila, execução da forma e depois a fundição em bronze. Em uma árvore, ela mostra a estrutura do sabiá, agora na mão direita de Clara. Na última etapa foi passado um ácido, o que garantiu um tom mais bonito à peça.
O curador do Memorial Clara Nunes, pertencente ao Instituto Clara Nunes, Marlon de Souza Silva, acompanhou na tarde de ontem a instalação do monumento. “Ficou bonito. Ficamos felizes com essa doação”, contou, por telefone. Ele explicou que, atualmente, moradores e visitantes podem ver a exposição Clara Mestiça, show de 1981 que rodou o Brasil e ganhou aplausos na Alemanha, Japão e outros países. Quem visitar o memorial, inaugurado em 2012, poderá ver os cenários do espetáculo, vestidos e troféus recebidos na época. O acervo tem também peças de outras apresentações, que foram guardadas pela irmã da cantora, Maria Gonçalves da Silva, a Mariquita, falecida em maio.
SERVIÇO
Memorial Clara Nunes
Rua Fernando Lima, 250, Centro, em Caetanópolis
Aberto nos fins de semana e feriados, das 9h às 15h.
Durante a semana, é preciso fazer agendamento pelo
telefone (31) 98874-3632
Entrada: R$ 5,00