"Nosso trabalho é muito abrangente, vai do cuidado ao paciente à gestão da equipe, mas o diferencial do enfermeiro é que, além de ter uma alta capacitação técnico-científica, tem um olhar mais humanizado, num ambiente com alta demanda de conhecimento tecnológico". Débora Soares Santos, enfermeira da Santa Casa de BH
A árvore da vida tem raízes fincadas no tempo, folhas brilhando à luz da esperança e copa frondosa para dar sombra e coragem à humanidade. Se a seiva traz saúde, os frutos garantem sobrevivência, e as sementes perpetuam a espécie. Cuidar dessa árvore é essencial, e regá-la, com carinho, um ato de amor. Aí está a missão constante de enfermeiros e enfermeiras, que, como dedicados "jardineiros" dos canteiros da vida humana, trabalham para aliviar o sofrimento dos pacientes, acolher familiares e coordenar o ambiente de trabalho.
Hoje, Dia Internacional da Enfermagem, três profissionais de hospitais mineiros reafirmam seu compromisso de salvar vidas, certos de que o grande trunfo é ver a alta dos pacientes. Para mostrar essa alegria, mesmo em tempos duros de pandemia, equipe da Santa Casa BH, na Região Hospitalar de Belo Horizonte, criou uma "árvore da vida" com fotos de pacientes que passaram pela unidade de terapia intensiva respiratória (UTI) e voltaram para suas famílias. Cada um dos galhos, no desenho, fortalece a luta contra a COVID-19, faz brotar a esperança e traduz a confiança em dias melhores, que passam, necessariamente, pela vacinação em massa e fé na saúde e pelos cuidados com a higiene.
Respeito
Desejo de cuidar e respeito à vida. Sempre que pensa nos objetivos da profissão escolhida, a enfermeira da linha de frente contra COVID-19 na Santa Casa BH Débora Soares Santos, de 34 anos, tem em mente esses dois sentimentos. "Nosso trabalho é muito abrangente, vai do cuidado ao paciente à gestão da equipe, mas o diferencial do enfermeiro é que, além de ter uma alta capacitação técnico-científica, tem um olhar mais humanizado, num ambiente com alta demanda de conhecimento tecnológico", diz a também professora universitária de terapia intensiva.
Nascida em Montes Claros, na Região Norte de Minas, Débora começou estudando química e, com o tempo, atendeu ao chamado maior do seu coração. E está feliz. "Trabalho como enfermeira desde 2016. Nesse período, passei por diversas experiências, mas nada tão intenso como nesta pandemia. Sempre gostei de desafios, e esse foi um dos motivos que me levaram à especialização em terapia Intensiva, para cuidar de pacientes graves. Posso dizer, com convicção, que este agora é o maior desafio da minha vida."
Se para muitos a simples menção às siglas UTI e CTI (Unidade e Centro de Terapia Intensiva) causa arrepios, a enfermeira desfaz a confusão. "É um lugar de esperança. Os profissionais que atuam ali são extremamente qualificados, treinados e sensíveis, preparados até mesmo, em caso de morte do paciente, para que ela ocorra na maior dignidade."
Medo e coragem
Desde o início da pandemia, em março do ano passado, todos os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, foram convocados, segundo Débora, para aprender rapidamente a cuidar de um paciente com uma doença grave da qual pouco se sabia.
"Lembro-me bem de passar horas incessantes estudando, tentando absorver ao máximo cada informação que nos auxiliaria nesta luta. Assim, participei dos primeiros treinamentos ensinando e aprendendo, e, ao mesmo tempo, tentando silenciar um medo que quase nos paralisava. Foi um medo presente em todos: medo por nossa família, amigos, colegas e pacientes. E diante do medo, optamos por nos alimentar de coragem."
Também no início, os profissionais de saúde foram aplaudidos e chamados de heróis, mas Débora prefere a palavra humanos. "É esse 'ser humano' que nos trouxe até aqui. 'Ser humano' nos permite entender o quanto precisamos evoluir, aprender todos os dias. Iniciar um plantão com uma oração pedindo proteção para todos e agradecendo pela vida, sabendo reconhecer o medo do nosso paciente ao entrar na UTI. Nós o acolhemos explicando tudo o que está por vir: tocamos suas mãos, liberamos uma videochamada antes da intubação, cuidamos de forma individualizada deixando-o ouvir suas músicas favoritas, enfim, permitindo até que seus últimos desejos sejam realizados".
Débora revela alguns desejos simples como "tomar um sorvete" e outros bem dolorosos como a visita do filho, da irmã, do pai ou da mãe, algumas vezes para atenuar a angústia da família e do paciente, outras vezes para se despedir quando não há mais o que ser feito. "Isso ocorre não porque somos heróis, mas porque somos humanos com os mesmos receios."
São muitas as histórias gravadas na memória de quem trabalha no hospital, e Débora destaca que, apesar do grande número de mortes causado pelo novo coronavírus, muitos voltaram para casa. "Por isso, este 12 de Maio é para comemorar a vida, simbolizada na árvore feita pela equipe da Santa Casa BH, e parabenizar os colegas de ofício", destaca a enfermeira.
Satisfação
Também em Belo Horizonte, desta vez no Hospital Paulo de Tarso, no Bairro São Francisco, na Região da Pampulha, o enfermeiro Ítalo Henrique Melo Souza Farias, de 25, se dedica de corpo e alma à profissão e busca inspiração nos pais, ambos aposentados. "Meu pai, Luiz Carlos de Farias, trabalhou como enfermeiro, e minha mãe, Rozilene Cristina Melo de Souza, na área laboratorial envolvendo os conhecimentos da biomedicina. Então, não tive muito como escapar, pois cresci no ambiente familiar da Saúde”, diz com bom humor e certo da vocação cultivada em terreno fértil.
"Nada me deixou mais satisfeito, nos últimos meses, do que presenciar a recuperação de pacientes que se encontravam em estado grave por COVID. Impossível cena mais gratificante do que vê-los retornando para casa". Ítalo Henrique Melo Souza Farias, enfermeiro do Hospital Paulo de Tarso, em BH.
Assim, nada deixou Ítalo mais satisfeito, nos últimos meses, do que presenciar a recuperação de pacientes que se encontravam em estado grave por COVID-19. "Impossível uma cena mais gratificante do que vê-los retornando para casa."
Belo-horizontino formado na PUC Minas, Ítalo supervisiona uma unidade no Paulo de Tarso e trabalha ainda no Socor, na Avenida de Contorno. Para tanto tempo de dedicação à vida profissional, há um segredo: estar bem consigo. "Sou paciente, sei lidar com o desconforto. E procuro estar tranquilo para cuidar dos outros."
Junto a atividades físicas, como treino diário em casa, Ítalo sabe que cuidar da saúde mental, ainda mais em tempos que exigem muito dos profissionais da área de Saúde, tem prioridade. "Moro com minha família. Os últimos meses foram tensos, então procuro relaxar, embora sempre atento para não colocar ninguém em risco lá em casa. Não ter contraído a doença foi uma grande vitória. Faço testes periodicamente, fui vacinado, supervisiono uma equipe, me preocupo com todos."
Para evitar o aumento do número de casos de COVID-19 no Brasil, o jovem vê como saídas, além da vacinação, a proteção com o uso de máscaras, higienização e isolamento social. "Não podemos negligenciar essas orientações. Os cuidados servem para salvar vidas, e aí está o alvo de nosso trabalho."
Ouro Preto
Bem na frente do hospital Santa Casa de Ouro Preto (OP), na Região Central de Minas, há um amplo gramado, de onde se veem as montanhas que reluzem ao sol do início da tarde. É ali, sentada sob uma florida escova-de-garrafa, que a enfermeira Aline Campos Lemos, de 29 anos, descansa na hora do almoço e recarrega as energias para a função de supervisora de plantão da UTI de COVID-19. "Trabalho sete dias na semana. Além da Santa Casa de OP, atuo também no Hospital Monsenhor Horta, em Mariana", conta a profissional de Saúde nascida em Coimbra, na Zona da Mata, e formada em 2018 na Universidade Federal de Viçosa (UFV), na mesma região.
"Penso que temos muito para comemorar neste Dia Internacional da Enfermagem. Nossa profissão faz a diferença e sempre esteve presente ao longo da história, principalmente nas guerras". Aline Campos Lemos, enfermeira da Santa Casa de Ouro Preto.
Com o rosto esbanjando vitalidade e bom humor – "meu jaleco verde combina com o gramado", compara –, Aline se mostra feliz com a profissão, que, em tempos de pandemia, tem exigido empenho redobrado dela e dos colegas. "Penso que temos muito para comemorar neste Dia Internacional da Enfermagem. Nossa profissão faz a diferença e sempre esteve presente ao longo da história, principalmente nas guerras, como a da Crimeia." A citação do conflito (1853-1856) ocorrido na Península da Crimeia, no Sul da Rússia e nos Balcãs, se deve à figura da inglesa Florence Nightingale (1820-1910), fundadora da enfermagem moderna e responsável, na época, pela organização do atendimento aos soldados feridos.
Supervisionando o plantão da equipe formada por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionista e psicólogo, Aline sabe que, em 24 horas, pode ir da extrema felicidade, ao ajudar a salvar uma vida, à tristeza, diante da perda de um paciente. "Procuro ver tudo pelo lado positivo. Sou daquelas pessoas que pensam que tudo ficará bem. Acredito em Deus como uma força superior e essa crença me dá paz", afirma enquanto admira as flores vermelhas da árvore.
Momentos
Em tempos de coronavírus, Aline, que trabalha há um ano e cinco meses na Santa Casa de OP, guarda na memória momentos singelos. Num deles, colocou, para uma paciente de 22 anos ouvir, a música preferida dela. O sorriso de satisfação de quem sofria tanto iluminou o ambiente. Em outro, tão delicado quanto doloroso, coletou sangue no braço de um amigo, constatando a doença. "Trabalhamos com técnica, mas com desempenho cada vez mais humanizado. Fiquei feliz ao ver saindo do hospital, de volta para casa, dois pacientes que estavam desacreditados. Assim é nosso trabalho".
Terminado o horário do almoço, hora de voltar ao batente. E o que você mais deseja hoje? – eis a pergunta final. "Que todos os brasileiros sejam vacinados, e as pessoas fiquem em casa, havendo, claro, políticas públicas para manter o isolamento".
Ressaltando que a profissão demanda remuneração digna, a enfermeira informa que a discussão do piso salarial nacional se encontra em discussão no Senado. "Esperamos que seja aprovado logo."
Dia da Enfermagem
O Dia Internacional da Enfermagem é celebrado desde 1965, mas só nove anos depois se tornou oficial por decisão do Conselho Internacional de Enfermeiros. O 12 de maio foi escolhido como homenagem ao nascimento de Florence Nightingale (1820-1910) – de nacionalidade inglesa, nasceu em Florença, na Itália. Fundou a primeira Escola de Enfermagem no mundo (na Inglaterra, em 1860). No Brasil, a data é celebrada desde 1938, quando foi instituída pelo então presidente Getúlio Vargas por meio do Decreto 2.956, de 10 de agosto de 1938.
Por maior valorização
Até o próximo dia 20, será celebrada a Semana da Enfermagem no país. Para marcar a data em BH, o Sindicato dos Servidores Públicos de Belo Horizonte (Sindibel) e os profissionais da área farão ato de protesto amanhã (13/5), das 15h às 16h, em frente do prédio da Prefeitura de Belo Horizonte, no Centro da capital. Em pauta, a cobrança pela agilidade da vacinação, aprovação do PL 2.564/20, que trata do piso salarial da categoria, e jornada de 30 horas. A categoria reivindica também a aprovação do projeto de abono COVID na Câmara Municipal de BH e a correção da insalubridade dos profissionais de saúde.