Durante os últimos dias, travou-se intenso debate na Câmara dos Deputados sobre a Reforma Administrativa Federal apresentada na forma de Medida Provisória pela Presidência da República logo, nos prolegômenos de seu mandato iniciado em janeiro. A MP 870 nasceu ladeada por muitas outras Medidas Provisórias, que, nos termos da Constituição Federal, têm vigência imediata mas não podem ser banalizadas, sendo instrumento a ser utilizado em campos jurídicos restritos e situações emergenciais, vez que vigem antes mesmo do debate inerente ao processo legislativo. Os Decretos igualmente vêm sendo largamente utilizados no plano federal, como na questão das armas (de constitucionalidade também atacada), sendo que nestes casos nem debate legislativo há. Mas, o que destaco aqui são três graves e complexas questões incluídas na MP 870: patrulhamento das ONGs, amordaçamento de auditores da Receita Federal e retirada do COAF da esfera do Ministério da Justiça, transferindo-o para o da Economia. A sociedade reagiu fortemente em relação aos três temas. Em relação ao patrulhamento, proposto pelo Governo Federal desde o início, caiu na Comissão Especial, vez que afrontava a Constituição Federal, que veda qualquer forma de interferência estatal na criação ou funcionamento de ONGs, sob pena de ferir a liberdade de associação. O plenário ratificou, mas isto depois de intensa mobilização da sociedade civil, que provocou, inclusive, a judicialização do tema, levado ao STF. No que toca ao amordaçamento de auditores da Receita Federal, foi proposto de forma inacreditável seu acovardamento e acumpliciamento a práticas criminosas detectadas nas fiscalizações tributárias. O “jabuti legislativo” foi aprovado na Comissão e derrubado no plenário. Outra vitória da sociedade, que se mobilizou, inclusive realizando atos públicos de repúdio à proposta. Mas a Câmara sinaliza que poderá trazer o debate novamente à pauta via projeto de lei. Mas, no que pertine à terceira questão, sobre o COAF, a articulação política contrária ao Governo prevaleceu, em votação apertada no plenário, depois da aprovação na Comissão Especial. E é muito fácil perceber que o COAF, reforçado por Moro, que tem papel vital na luta contra a lavagem de dinheiro e contra a corrupção, deveria permanecer sob sua alçada, e não sob a de Guedes, que publicamente externou seu desinteresse em relação a manter o organismo sob o Ministério da Economia. O Senado pode e deve rever a decisão da Câmara, mas independentemente desta deliberação já há um importantíssimo legado deixado por este debate: a imprescindibilidade da mobilização da sociedade na luta anticorrupção. Sem ela, as conquistas dos últimos cinco anos alcançadas pelo hercúleo e histórico trabalho da Lava Jato correm risco. Na Itália, número muito mais expressivo de políticos foi alcançado pela Mãos Limpas, e, sem mobilização, o corpo político tirou proveito da letargia social, aprovando leis que sucatearam o sistema de justiça e o MP, favorecendo largamente a impunidade. Não permitamos que o mesmo ocorra entre nós.
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