Passadas duas semanas da data estimada como auge do contágio do coronavírus em Minas Gerais, o governo estadual defende que o cenário é de estabilidade no número de casos, mortes e ocupação de leitos. Mas para parte das cidades mineiras, como a capital e outras das regiões Central, Leste, Zona da Mata e Vale do Aço, o número de casos da doença e a taxa de ocupação dos hospitais de referência não param de subir.
Uma das situações mais preocupantes ainda é da capital mineira. Desde o fechamento do comércio, em 29 de junho, Belo Horizonte viu o número de casos de Covid-19 triplicar e a estrutura hospitalar continuar perto do esgotamento. O prefeito Alexandre Kalil (PSD), que chegou a planejar abertura de 688 leitos de UTI até maio, só alcançou 419. E a taxa de ocupação segue em acima de 90%, o que tem adiado a reabertura do comércio. Nesta sexta-feira (31), a prefeitura vai dar mais uma entrevista coletiva para dizer se vai ou não manter o isolamento, diante desse cenário.
Desde o início do mês, hospitais de referência para tratamento da Covid-19 na capital – Santa Casa, Eduardo de Menezes, Júlia Kubistchek e Mário Penna – estão perto dos 100% de ocupação das unidades de terapia intensiva. Para o infectologista Carlos Starling, que faz parte do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 na capital, os indicadores até apontam para uma tendência de estabilidade na transmissão do vírus na cidade, mas o número de casos da doença ainda é alto, o que justifica a pressão sobre a estrutura hospitalar.
"É o momento que temos que ter maior cuidado. O platô é um lugar extremamente desconfortável. Chegar não é bom e permanecer é pior ainda. Se a população não tomar cuidado, de lá não sai durante muito tempo. Até desafogar as terapias intensivas é difícil. E uma coisa importante: pacientes que ficam na UTI ficam muito tempo, por 14 a 21 dias", diz ele.
Segundo a Secretaria de Saúde de BH, "o aumento da oferta de leitos para o atendimento de pacientes acompanha o planejamento feito junto aos hospitais e a evolução dos indicadores epidemiológicos e assistenciais em relação à pandemia".
Mesmo com o vírus avançando pela capital, durante esta semana, o secretário de Estado de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, chegou a afirmar que Minas deve ter "queda expressiva" de casos nos próximos 15 dias e que os números de casos e óbitos pela doença estão estáveis.
"Tudo leva a crer que estamos no nível de ocupação de leitos máximo. Há uma tendência natural que isso comece a reduzir à medida que o tempo passe. Estamos trabalhando com um universo de tempo por volta de 15 dias. Isso não é uma matemática exata", disse o secretário na coletiva de imprensa da última segunda-feira (27).
O professor de matemática da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ricardo Takahashi, que lidera estudos referentes à evolução da Covid-19, confirma a previsão, mas critica a falta de transparência nos dados divulgados pela Secretaria de Estado de Saúde.
"Os dados de casos de fim de junho para cá estão confusos. Dá para ver uns dias com número enorme de casos, outros não. De algum tempo para cá, os tais testes rápidos passaram a fazer parte dos números e isso está ajudando a confundir a coisa. Mas os modelos dizem que lá para meados de agosto começa a baixar. A dúvida fundamental é se os dados estão certos ou não. Não dá para dizer sem ter esta certeza", afirma o professor.
Em Minas, cerca de 70% dos resultados positivos são provenientes de testes rápidos, que verifica a presença de anticorpos e não têm eficácia comprovada. Os mais indicados para o diagnóstico são os testes RT-PCR, realizados no momento da atuação do vírus no organismo.
Mesmo sem os dados precisos, pelas projeções e estudos que tem feito do comportamento do coronavírus, Takahashi diz que Minas e BH conseguiram um resultado melhor do que o cenário mais otimista projetado no início da pandemia. Mas garante: ainda não é hora para retomar o funcionamento do comércio.
"Certamente não é momento para flexibilizar. Qualquer que seja o momento que está na epidemia, se reabre a economia, faz as pessoas se interagirem mais, o que gera aumento de casos. Quando o índice de contágio está baixo, o aumento pode não ser expressivo. Se a situação está como está neste caso, fatalmente significa ultrapassar a capacidade do sistema hospitalar. Não tenho dúvidas de que isso aconteceria. Sabendo que vai ter aumento no dia em que abrir, só pode reabrir quando tiver margem de segurança neste indicador de leitos", diz Takahashi.
A situação da ocupação hospitalar é crítica não só na capital. Em Betim, na Região Metropolitana, a taxa de ocupação geral de leitos de UTI estava em 94% nesta quinta-feira (30). No caso de leitos específicos para Covid-19, das 95 unidades, 75 estão ocupadas. Em Contagem, também na grande BH, 85% dos 63 leitos de UTI para tratamento da doença estavam ocupados.
Em Ouro Preto, na Região Central, a taxa de ocupação de leitos nesta quinta estava em 95%, segundo a Secretaria de Estado de Saúde. A cidade tem um único hospital, a Santa Casa de Misericórdia, para atender também aos moradores de outras duas cidades, Itabirito e Mariana. No início da pandemia, eram 10 leitos de UTI; agora são 20.
Em Juiz de Fora, apesar da taxa de ocupação geral de UTI estar em 72,6%, três hospitais da cidade – Fundação Instituto Clínico, Hospital Universitário e São Vicente de Paulo – estavam com 100% de ocupação na quarta (último dado disponível), tanto por pacientes com Covid-19, quanto por outras causas.
Em Itaúna, na Região Centro-Oeste, um único hospital atende os moradores da cidade e de outras três vizinhas. A instituição já tinha 10 leitos de UTI e criou outros 9 específicos para atendimento a pacientes com Covid-19. Todos para pacientes com sintomas respiratórios estão ocupados. A situação já preocupa o secretário de saúde da cidade, Fernando Meira.
“A situação ainda é preocupante. A gente ainda não teve grandes problemas. Mas a gente percebe que está tendo saturação dos leitos, principalmente dos leitos de CTI. (...)O fato de estarmos em platô não quer dizer que estamos tranquilos. Entende-se apenas que parou de crescer, mas ainda está alto. Se a gente conseguir superar esta fase, a gente consegue atravessar esta pandemia bem. Estes dias serão muito importantes para fazer isso”, afirma.
No Vale do Aço, a cidade de Ipatinga está com 88% de ocupação geral dos leitos de UTI. No caso das unidades de terapia intensiva voltadas para atendimento a pacientes com Covid-19, 96% das 45 unidades estão ocupadas. Apenas duas estão desocupadas.
“O que temos hoje é mostrar que a epidemia está em evolução, não está controlada, não tem medicamento próprio, não tem vacina e o sistema de saúde está sobrecarregado ainda”, justifica o infectologista da UFMG, Dirceu Greco.
Outro indicador utilizado pelo governo para garantir que a progressão do vírus pode reduzir nas próximas semanas é o índice de contágio, que chegou a 4 em março, e agora oscila entre 1,05 e 0,98. O RT representa o número de pessoas para as quais um indivíduo contaminado pode transmitir a doença. Quando esse número é igual a 1, a situação é considerada estável: uma pessoa transmitindo apenas para outra.
Mas o infectologista Dirceu Greco ponderou que, dada a diversidade e o tamanho do estado, não é possível fazer uma avaliação global da expansão da epidemia.
“Temos situações diferentes em locais diferentes. Primeiro, porque há situações que são específicas para localidades. Por outro lado, quando fala globalmente, pode de um certo lado, diminuir o pânico, mas pode diminuir a precaução. Não está na hora de nos expormos”, diz.
Além disso, a baixa testagem não permite uma avaliação precisa da situação no estado. "Não sabemos se é real o RT porque a testagem é baixa. E quando consideramos todo o estado, o índice estará baixo mesmo, porque dilui".
Para Ricardo Takahashi, a baixa testagem também interfere no controle da epidemia. "Se tivéssemos identificando casos para irmos até contatos óbvios, a gente conseguiria evitar boa parte das internações, além de conseguir reduzir o contato pelas pessoas que não sabem que estão infectadas e transmitindo. Ainda que o estado esteja apresentando bons resultados, poderiam ser bem melhores. A gente ficaria menos tempo nisso. É uma questão de querer usar ferramentas disponíveis".
O que diz o governo do estado
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) afirma que está atuando em "várias frentes para controlar o avanço da doença, garantir o acesso aos serviços de saúde para todos que precisam de atendimento médico e dar suporte aos municípios na retomada das atividades econômicas".
O governo disse que já repassou mais de R$ 1 bilhão para estruturar a assistência de saúde nos municípios e que investe em hospitais de estruturas permanentes para deixar "legado para a população".
Em relação à taxa de transmissão, a SES disse que o programa Minas Consciente foi fundamental para alcançar os resultados obtidos, mas que é necessário manter o distanciamento social para não ter aumento do número de casos.