Pés descalços, terra batida e várias crianças em busca de um sonho. De uma das cenas mais repetidas ao redor do nosso país, nasceu uma força da natureza. Marta veio para dar asas à trajetória interrompida de tantas meninas brasileiras. Para mostrar que o sonho é possível, que elas podem superar os obstáculos impostos pelo preconceito.
Os mesmos pés voltaram a ficar descalços em 2007, em palco bem mais suntuoso do que os campos de várzea de Dois Riachos. Depois de conquistar os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro com a Seleção Feminina, Marta se tornou um ícone nacional. De força, superação e talento. Para representar o futebol feminino, foi convidada para gravar seus pés na Calçada da Fama do Maracanã, ao lado de Pelé, Garrincha, entre outras lendas do nosso futebol. Não haveria lugar mais apropriado para isso.
“Fui a responsável por representar todo
o futebol feminino (na Calçada da Fama).
A partir daquele dia, o futebol feminino
tem a sua marca no Maracanã”
A coroação de Marta no Maracanã foi o último capítulo de uma campanha inesquecível. No título do Pan, foram seis jogos, seis vitórias, 33 gols marcados e nenhum sofrido. Como ponto final dessa história, a aclamação diante de uma multidão no estádio mais famoso do mundo. Um momento tão mágico que se confunde facilmente com os melhores sonhos que ela poderia ter.
– Demorou bastante (para cair a ficha). Parecia que a gente estava vivendo um sonho. E quando a gente sonha coisas boas, não quer acordar. Passaram-se dias para que pudéssemos perceber que realmente tínhamos feito aquilo, que tudo isso tinha acontecido.
A final contra os Estados Unidos se eternizou como um dos mais belos episódios do futebol feminino no Brasil. A goleada por 5 a 0 tem um lugar especial no coração de quem ama o esporte, e um carinho ainda maior na lembrança de quem participou daquela partida. A conquista da medalha de ouro completa, nesta quarta-feira (26), dez anos de história.
Artilheira da competição, Marta comeu a bola na final. Dois dos seus 12 gols no Pan saíram naquela tarde. A mistura entre velocidade, técnica e improviso atordoou as zagueiras norte-americanas, que não puderam conter a camisa 10 brasileira. Da marca da cal, Marta fez o primeiro e o quarto gols do jogo, abrindo o caminho para a goleada.
67 mil vozes
Durante o Pan-Americano, a torcida brasileira já tinha dado sinais de que estava pronta para abraçar a Seleção Feminina. Mas quando o Brasil entrou em campo para a final, mais uma barreira foi quebrada. O Maracanã estava abarrotado com um único objetivo: apoiar a Seleção.
“Eu não mudaria nada. Foi um dia mágico, que marcou
a nossa vida como atleta e como pessoa”
A união de 67 mil pessoas nas arquibancadas e cadeiras do estádio surpreendeu as atletas brasileiras, e inverteu o jogo da vida de muitas delas. A força de vontade demonstrada durante toda a infância para conseguir se tornar jogadora de futebol finalmente teve recompensa, no eco que se alastrou pelo Maracanã.
– Você percebe que as pessoas que estão ali, não estão porque acompanham um amigo que quer ver o jogo, ou porque não têm nada para fazer, ou algo assim. Elas estão ali porque querem ver as meninas jogarem. Querem ver o futebol feminino. Acompanham, conhecem as atletas. Isso é que é o legal para a gente.
Felicidade e memória
É claro que nem toda a passagem de Marta pela Seleção foi escrita com títulos. Como toda grande atleta, a Rainha teve seus momentos de frustração, tristeza e questionamentos. Mas o Pan será sempre uma ponta de esperança. É preciso ter força, raça e gana, por maiores que sejam a coragem e a disposição de uma mulher como Marta.
Sempre que ela pensar no que foi conquistado há dez anos, no dia 26 de julho de 2007, se lembrará da paixão que o futebol feminino pode despertar nas pessoas. Do que uma mulher é capaz. Do tipo de memória que ela ajudou a construir no esporte brasileiro.
“É uma coisa tão viva na nossa memória. Aquilo marcou
tanto a nossa vida, foi um momento tão especial para
o futebol feminino no Brasil, que é difícil de esquecer”
Por isso que, quando está mais “caidinha”, Marta recorre aos jogos daquele Pan-Americano. Melhor divã não há. A medalha de ouro no Rio de Janeiro representa muito do que se acredita para a modalidade no país, e traz a ela lembranças de uma tarde inesquecível.
Legado inestimável
Mais do que um exemplo para si mesma, Marta sabe que aquela geração representou um passo importante para o futebol feminino. Quando pensa na final, reflete e coloca em perspectiva as conquistas recentes da modalidade.
Quanto mudou justamente por causa dela e das suas companheiras de Seleção? Qual é o tamanho da importância daquele público e daquela goleada no crescimento a modalidade no Brasil? Quantas meninas não podem agora manter um sonho, porque existe um exemplo?
Mais do que uma craque de bola, Marta é um símbolo. Um horizonte para todas aquelas meninas que sonham, assim como ela fez em sua infância. Essa é sua força. Inspiradora e revolucionária, mágica e objetiva. Compreender a história de Marta é entender que seus feitos dentro de campo têm consequências diretas na vida de milhões de meninas país afora. E muito disso passa pela tarde em que o Maracanã se derreteu diante de os pés de uma Rainha.
A CBF criou o especial "Dez anos do Pan" para lembrar, com orgulho, a medalha de ouro da Seleção Feminina no Rio de Janeiro. Fique ligado no nosso site para mais conteúdos especiais sobre a conquista, que completa uma década no dia 26 de julho.