Após a interiorização da Covid-19, ou seja, quando a doença se espalhou dos grandes centros urbanos para as cidades menores, foi visto uma primeira "onda" de infecções nesses locais, que também passaram as medidas de isolamento social. Agora, com a flexibilização dessas regras em diversos municípios, está ocorrendo uma segunda onda de transmissão, provocada pela maior circulação de pessoas.
Em Uberlândia, no Triângulo mineiro, a virada de maio para junho registrou um salto de 72% nos casos confirmados e de 55% nas mortes pela Covid-19 após a reabertura do comércio no final de abril. Na cidade mineira, 72% das mortes pela Covid-19 registradas até agora ocorreram depois da reabertura econômica.
"A reabertura da economia teve um efeito evidente. Houve casos de colaboradores de uma empresa que voltaram ao trabalho e acabaram infectados todos ao mesmo tempo", diz Natália Madureira, médica em uma unidade básica de saúde de Uberlândia que atende cerca de 5.000 pessoas.
Em São João del Rei, no Campo das Vertentes, também houve um súbito aumento no número de casos confirmados após a reabertura, há duas semanas.
"É como se tivéssemos enfrentando uma segunda onda em cima de uma primeira que ainda nem quebrou", diz Tatiana Teixeira de Miranda, médica de família e comunidade e professora na Universidade Federal de São João del Rei.
Segundo ela, atualmente há uma contradição em relação ao início da epidemia no Brasil: quando não havia casos, houve a tentativa de isolar a cidade com barreiras. Agora que eles aumentam, a pressão é para que São João del Rei e outras cidades históricas como Tiradentes reabram o mais rápido possível.
Essa é uma tendência vista em outros estados e municípios brasileiros; em São Paulo, a Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira) precisou abrir novos leitos nos últimos dias para atender à demanda da cidade e de municípios vizinhos que retomaram as atividades econômicas.
"Onde existem, as UTIs de cidades menores começam a ficar cheias rapidamente. Vamos ver se os municípios maiores aguentam", conta Suzana Margareth Lobo, presidente da Amib.
No Distrito Federal, a volta do comércio em Brasília, no final de maio, também acabou levando a uma maior disseminação de casos para as cidades satélites do entorno.
"Houve uma reabertura equivocada das cidades satélites, feita com base na situação mais confortável que existia no Plano Piloto", diz Rodrigo Lima, médico de um posto de saúde em Samambaia que atende 25 mil pessoas.
Segundo ele, o total de atendimentos de pacientes com suspeita ou infectados pelo novo Coronavírus dobrou nas duas últimas semanas.
No Nordeste, a região de fronteira entre Pernambuco, Bahia e Piauí é uma das que mais vêm sendo atingidas pelo fato de ter uma circulação maior de pessoas dos três estados. Só em Petrolina (PE), os casos confirmados da Covid-19 dobraram (de 179 para 358) nos últimos 18 dias.
Segundo Rafaela Pacheco, médica de família no Recife, embora Pernambuco tenha conseguido zerar a fila para internação em UTIs na capital nos últimos dias, a preocupação agora é com a reabertura das atividades no interior.
Apesar da ansiedade com o retorno das atividades no momento em que os casos crescem no interior, todos os médicos ouvidos pela reportagem afirmam que as medidas de isolamento foram cruciais para conter a explosão inicial de casos e para que a rede hospitalar tivesse tempo de ampliar os leitos onde há UTIs.
Como apenas 505 dos 5.570 municípios do país têm hospitais com UTIs, muitos dos novos pacientes do interior precisarão agora ser transportados e atendidos em unidades de saúde nas cidades maiores.
"Ao reabrir a economia, os municípios menores estão pagando para ver se terão as vagas de que vão precisar", diz Rita Borret, médica de família na cidade do Rio de Janeiro.
Segundo ela, enquanto a capital registra queda nos casos, eles crescem no interior: "O risco é termos uma nova onda também por aqui", finaliza.